Por: Karina Gomes Andrade.
A tributação tem um objetivo óbvio que é gerar receita para que o Estado possa cumprir as suas funções, tais como a prestação de serviços públicos e um objetivo controverso que consiste em promover a redistribuição de renda, reduzindo a desigualdade social. [1] Há, todavia, um terceiro objetivo também controverso que vem sendo abordado de forma crescente nas últimas décadas em função do florescimento da economia comportamental, que consiste no uso do sistema fiscal para moldar o comportamento do setor privado, incentivando (subsidiando) atividades que o governo pretende desenvolver e desincentivando (tributando) atividades que pretente desencorajar.
Os impostos especiais sobre o consumo, os chamados excise taxes, conceitualmente, têm natureza inteiramente regulamentar, vale dizer, visam primordialmente desestimular comportamentos, tais como a ingestão de alimentos gordurosos, ricos em açúcar que são prejudiciais à saúde e geram um custo social alto.
A realidade, contudo, tem evidenciado que o uso dos impostos especiais sobre o consumo está atrelado a um aumento significativo da arrecadação, provocando, em contrapartida, baixíssima resistência, na medida em que a justificativa para a imposição fiscal está pautada em questões sensíveis à sociedade em geral, como a preservação do meio ambiente, a melhora da saúde pública, da segurança pública, dentre outros. Em vista disso, os impostos seletivos se tornam politicamente mais atraentes do que os impostos tradicionais.
Entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), aproximadamente, doze por cento da arrecadação se origina dos impostos especiais sobre o consumo[2], o que demonstra que, em termos arrecadatórios, essas exações são muito eficientes. O que pretendemos debater na sequencia é a efetivadade deste tipo de tributação para moldar comportamentos, abordando especificamente o consumo de alimentos não saudáveis.
Estudos evidenciam que a obesidade – condição associada a uma série de doenças, a exemplo da diabetes, doenças cardiovasculares – aumentou muito nas últimas décadas.[3]
Nesse panorama, governos do mundo inteiro vêm instituindo impostos sobre o açúcar, gorduras, refrigerantes, dentre outros produtos considerados não saudáveis sob o argumento de reduzir o consumo e melhorar a saúde pública.
Segundo Donald Marron, Maeve Engrenagem e Jonh Iselin[4], a efetividade da tributação da junk food, em termos comportamentais, depende dos seguintes fatores: o quanto os consumidores respondem ao preço, o quanto de imposto é repassado no preço; qual é o nível de saliência do imposto; se o aumento dos preços decorrente da carga tributária provoca uma substituição por produtos tão prejudiciais quanto os taxados ou implicam na melhoria na qualidade da nutrição; se a tributação provoca um estímulo para que as empresas invistam no desenvolvimento de produtos mais saudáveis e, finalmente, se o produto tributado tem relação direta com os efeitos negativos na saúde que se pretende evitar.
A resposta ao preço depende da facilidade de substituir o produto tributado por outro ou simplesmente de deixar de consumir o produto.
No que diz respeito ao repasse, é importante considerar que os impostos especiais sobre o consumo podem ser cobrados das empresas (fabricantes, varejistas, distribuidores) ou do consumidor. Na hipótese de ser cobrado das empresas, convém levar em conta que nem sempre a carga tributária é totalmente repassada para o consumidor final, o que pode comprometer a efetivadade da função reguladora do imposto. Nessas circunstâncias, as empresas podem, a depender da conjuntura, reduzir a sua margem de lucro e manter os preços dos produtos inalterados. Por outro lado, se o imposto for cobrado do consumidor, as empresas podem baixar os preços para fazer uma espécie de compensação.
O nível de saliência é relevante quando se avalia a função reguladora dos impostos especiais sobre o consumo. Estudos evidenciam que os impostos cobrados no caixa não são capazes de alterar o comportamento dos consumidores enquanto os impostos embutidos nos preços de prateleira são eficazes nesse sentido.[5]
O comportamento do consumidor diante da instituição de impostos especiais sobre o consumo também pode variar, afetando positiva ou negativamente a efetividade da exigência sob o enfoque regularório. O consumidor pode substituir o consumo do produto taxado por outro tão ou mais prejudicial para a saúde, pode adquirir o produto taxado no mercado negro ou, ainda, alterar efetivamente a sua dieta, tornando-a mais saudável.
As empresas, por sua vez, podem manter a produção dos produtos não saudáveis ou desenvolver novos produtos com riscos mais baixos para a saúde.
Finalmente, a eficácia dos impostos especiais sobre o consumo, no aspecto regulatório, é potencializada quando há uma relação estreita entre a produto tributado e o mau causado à saúde.
Diante de todas essas variáveis, os mencionados autores sustentam que o imposto especial sobre o cosumo deve ser muito bem concebido para ser efetivo em termos comportamentais, de forma que:
Há, contudo, questões que afetam a eficácia dos impostos comportamentais sobre alimentos prejudiciais à saúde que não podem ser dribladas nem mesmo pela boa concepção da exigência.
A primeiro delas é a fragilidade dos critérios adotados na atualidade para definir a calibragem do imposto, vale dizer, o nível fiscal adequado.
Em geral, seguindo a teoria de Arthur Pigou[6], o imposto especial sobre o consumo é calculado em função do custo social da externalidade negativa gerada pelo comportamento que se pretende evitar.
No caso dos alimentos prejudiciais à saúde, o custo social é estimado levando em conta o valor que é gasto pelo governo no tratamento de doenças decorrentes da obesidade em um determinado período de tempo como, por exemplo, um ano.
Esse critério é altamente questionável.
Primeiro porque, como será mencionado mais adiante, a obesidade e as doenças que lhe são decorrentes não se originam apenas do consumo de alimentos não saudáveis, havendo fatores hereditários que são determinantes. Daí porque o correto seria partir do custo extra gerado pelos portadores de doenças desencadeadas pela obesidade proveniente de alimentos nocivos.
Segundo porque, como bem pountua Valentim Petkantchin[7], não se deve levar em conta os custos extras provocados pelos obesos num dado momento isolado em contraposição ao gerado pelos não obesos. O parâmetro de comparação deve ser o custo gerado pelas duas categorias de individuos ao longo da vida inteira. Essa mudança de critério respresenta uma diferença enorme, na medida em que o individuo obeso, a despeito de ter maior propensão a uma série de doenças e, consequentemente, onerar o Estado, provocando gastos com a saúde, tem uma expectativa de vida inferior à do individuo com hábitos de vida mais saudáveis, que tende a ter outros tipos de doença decorrentes do envelhecimento, onerando a saúde pública, além de causar outras formas de ônus para o Estado como, por exemplo, o previdenciário.
Merece destaque também a significativa variação do custo social gerado pelos agentes econômicos que consomem a junk food.
Esta variação decorre do fato incontestável de que o consumo de alimentos não saudáveis não é o único fator que concorre para a obesidade. Há pessoas magras que ingerem refrigerantes, gorduras saturadas, sódio que não geram nenhum custo social em decorrência destes hábitos, mas que vão sofrer os efeitos da tributação na hipótese de instituição de um imposto especial sobre o consumo destes itens.
Em situações como esta, em que há forte variação do custo social,Victor Fleisher[8] refuta o uso do imposto seletivo para corrigir comportamentos e sugere o uso de outros recursos como, por exemplo, campanhas de conscientização. Na sua perspectiva, no contexto tratado, o imposto, ao invés de corrigir uma externalidade, estará criando uma distorção.
Seguindo essa linha de raciocínio, os impostos seletivos só são uma boa medida quando o custo marginal social é aproximadamente igual ao custo social médio como ocorre, por exemplo, nos impostos voltados à redução da poluição global.
No caso da junk food, ele sustenta que o imposto seletivo só seria efetivo se a tributação recaísse sobre o resultado do consumo, a obesidade. O problema é que um imposto dessa natureza não seria bem aceito pela sociedade por ser discriminatório e imoral.
Esse é um dos grandes limitadores do uso do imposto especial do consumo como instrumento de política pública.
Há, ainda, a correlação negativa entre a elasticidade da demanda e o custo marginal social no que tange ao consumo de junk food que evidencia a fragilidade do uso do imposto seletivo em prol da saúde pública. Decerto, os obesos que consomem esse tipo de alimento e que, consequentemente, geram a maior parte do custo marginal social, são os que terão maior dificuldade e resistência para mudar os hábitos alimentares, adotando uma alimenação mais saudável.
Isso significa dizer que a imposição do imposto seletivo neste caso implicará na mudança de hábitos daqueles que não são o alvo da regulação, os consumidores que não geram custo social nenhum.
Finalmente, convém destacar o caráter altamente regressivo dos impostos especiais sobre o consumo, que oneram de forma pesada as famílias mais pobres que empregam praticamente toda a sua renda no consumo, concentrando muito provavelmente o consumo em produtos pouco saudáveis dado o nível baixo de instrução.
No contexto acima delineado, a conclusão a que chegamos é que a utilização dos impostos especiais sobre o consumo são inquestionavelmente eficientes em termos de arrecadação, mas a sua eficácia para moldar o comportamento dos contribuintes que consomem alimentos não saudáveis só poderá ser atestada quando forem desenvolvidos estudos mais profundos em torno dos pontos sensíveis anteriormente mencionados.
No que diz respeito à variação do custo social, é preciso comparar os efeitos da tributação dos alimentos não saudáveis com outras formas de regulação, a fim de descartar ou legitimar o seu uso como instrumento político.
Decerto, é imprescindível avaliar se os resultados positivos obtidos nos países que estão lançando mão do imposto seletivo sobre alimentos não saudáveis decorrem da redução do consumo por parte dos indivíduos obesos – que são o foco da regulação – ou se decorrem, em maior proporção, da redução do consumo por parte da parcela da população que não gera custo social algum. Essa avaliação pode levar à intrigante conclusão de que está havendo mudança de comportamento, o consumo de alimentos prejudiciais à saúde está sendo reduzido, mas o púlbico alvo da medida não está sendo atingido.
É preciso, ainda, encontrar uma forma de calcular a carga tributária ideal a ser imposta por meio dos impostos seletivos sobre os alimentos nocivos. E esse cálculo não pode simplesmente ser elaborado a partir da aplicação de um dado percentual sob o argumento vazio de que tal medida implicará na redução do consumo. Esse método é apropriado para calibrar um imposto que tem propósito arrecadatório na medida em que, a partir do consumo médio mensal, é possível estimar a arrecadação mediante aplicação de um percentual, mas é pobre para aferir o potencial de o tributo alterar comportamentos.
Finalmente e se a conclusão for no sentido da efetividade do imposto seletivo sobre o consumo de alimentos nocivos à saúde, é forçoso minimizar o seu caráter regressivo, direcionando a receita para a adoção de políticas voltadas para a população de baixa renda.
[1] AVI-YONAH, Reven S. The Three goals of taxation. NYU Tax Law Review, Vol. 60 (2006-2007), p. 3.
[2] HINES JR., James R. Excise Taxes. University of Michigan – OTPR Working Paper WP 2007-2007, p.4.
[3] GEARING, Maeve; ISELIN, John; e MARRON, Donald. Should We Tax Unhealthy Foods and Drinks? Urban Institute & Brookings Institution Tax Policy Center Report. 2015, p.7.
[4] Cf. GEARING, Maeve; ISELIN, John; e MARRON, Donald. Obra citada, p. 10-17.
[5]PERKINS, Rachelle Holmes. Designing Taxes in the New Sin Era. In Brigham Young University Law Review, Vol. 2014, No. 1, p. 104.
[6] Apud FLEISCHER, Victor. Curb Your Enthusiasm for Pigouvian Taxes. In: Vanderbilt Law Review, vol. 68, 2015, p. 1682-1684.
[7] PETETKANTCHIN, Valentin. The pitfalls of so-called “sin” taxation. IEM’s Economic Note, 2014, p. 3.
[8] Cf. FLEISCHER, Victor. Obra citada, p. 1680.